Danilo Venticinque
Incentivar a leitura é um dever do governo e das escolas.
Mas nós, leitores, podemos ajudar
A leitura é, por natureza, um ato solitário. Podemos estar
no meio de uma multidão: basta abrir um livro e, no meio do primeiro parágrafo,
a realidade à nossa volta dá lugar ao universo do autor. É um grande prazer,
mas também um pequeno risco. Como contagiar outras pessoas com o hábito da
leitura, num país em que atividades coletivas são uma tradição, se o próprio
ato de ler nos impulsiona para o isolamento?
Mesmo na solidão da leitura, cada leitor é parte de um só
grupo. Seus interesses são tão múltiplos quanto a variedade de livros a seu
dispor, mas todos têm em comum o prazer da leitura. Nessa multidão desunida e
heterogênea, há pouca ação e muito pessimismo. Muitos dos que espalham a frase
feita que diz que "o brasileiro não lê" são leitores. Em seu isolamento,
não percebem que isso começou a mudar – e que eles estão deixando de cumprir um
papel importante. Popularizar a leitura é uma obrigação do governo e das
escolas, mas também deveria ser um esforço pessoal de cada leitor.
Um país com mais leitores é um país mais educado, com livros
mais acessíveis e uma produção literária mais rica. Entre um livro e outro, com
atitudes simples, qualquer leitor pode dar sua pequena contribuição para que
isso se torne realidade.
1) Seja um (bom) leitor
Num mundo repleto de distrações, não faltam incentivos e
desculpas para fazer qualquer outra coisa em vez de ler um livro. Sucumbir a
algumas delas é inevitável. Podemos perder algumas batalhas, mas não a guerra.
De distração em distração, já vi aficionados pela leitura entrarem, sem aviso,
no grupo dos 50% de brasileiros que não leram um livro nos últimos três meses.
Algumas pessoas estão nesse grupo porque não sabem ler, ou porque não têm
acesso a livros. Porém, há os que engrossam as estatísticas por pura preguiça. Não
basta ir à livraria, sucumbir às tentações do consumo e deixar os livros
acumulando poeira na estante. É preciso dar um bom exemplo. O primeiro passo
para formar mais leitores é formar-se leitor.
2) Converse sobre livros
Por que assistimos a tantos filmes, novelas e séries de
televisão? Se dependêssemos apenas de nossa vontade e interesse, seriam poucos
os espectadores fiéis. Mas recebemos recomendações de amigos, ouvimos
comentários de desconhecidos, lemos sobre o assunto nas redes sociais e isso nos
anima a voltar ao cinema, a sentar diante da televisão e a assistir a mais um
episódio. Os fãs de filmes, novelas e séries não economizam oportunidades para
demonstrar sua paixão. Dezenas de amigos me recomendaram Breaking bad antes que
eu me tornasse viciado na série (que, aliás, é ótima). Sei que muitos dos meus
amigos são leitores, mas poucos me recomendam os livros que acabaram de ler.
Por ver a leitura como um hábito solitário, sentem-se mais à vontade para falar
sobre outros assuntos – e deixam de compartilhar suas descobertas. Conversar
sobre livros não é algo só para intelectuais. Não há nada de errado em ser fã
de um autor e se comportar como tal. Se você acha que todos seus amigos
deveriam ler o livro que você acabou de ler, diga isso. Talvez todos leiam.
3) Busque aliados
A internet é um inferno de distrações quando queremos nos
concentrar e ler um livro, mas um paraíso para encontrar outros leitores. Há
redes sociais dedicadas exclusivamente a isso, como a brasileira Skoob e a
americana Goodreads. Também não faltam blogs e sites dedicados ao tema. No
Facebook, há dezenas de grupos dedicados a amantes dos livros. Entrar num deles
é uma forma de reforçar o hábito de ler, trocar recomendações e manter-se
atualizado. Quanto maiores os grupos, maior a chance de atrair e manter novos
leitores. Longe de ser uma inimiga da leitura, a internet pode ser uma
importante aliada.
4) Presenteie
Lembro-me muito pouco das roupas, brinquedos e outras
bobagens que eu ganhava de presente na minha infância. Mas não me esqueço do
dia em que meu padrinho me levou a uma livraria e me presenteou com um exemplar
de 20 mil léguas submarinas – o primeiro livro que eu li por vontade própria, e
o primeiro a me tirar da frente da televisão e dos games. Dar livros de
presente é uma bela maneira de espalhar e reforçar o hábito da leitura, não
importa a idade de quem é presenteado. Preste atenção nos desejos e
curiosidades das pessoas ao seu redor, e pense em livros que podem agradá-las.
Quem conhece bem seus amigos e parentes saberá escolher um título adequado para
animar mesmo quem não está acostumado a ler. O livro certo, na hora certa, pode
ser um presente inesquecível.
5) Tenha calma
Antes de recomendar um livro, emprestá-lo ou dá-lo de
presente, pense se ele é a escolha mais adequada. Para um leitor em formação,
poucas coisas são mais frustrantes do que ler o livro certo na hora errada.
Isso vale principalmente para crianças e adolescentes. Quantos estudantes não
abandonaram o hábito da leitura após serem golpeados na cabeça, prematuramente,
com livros difíceis demais? Alguns clássicos da literatura são acessíveis a
qualquer um; outros, mais complexos exigem reflexão e paciência do leitor.
Comece pelos mais fáceis. Há tempo suficiente para galgar, degrau a degrau, o
caminho que leva a obras literárias complexas. Antes de se tornar um hábito, a
leitura precisa ser um prazer.
6) Leia antes de votar
Num país em que 20% dos habitantes entre 15 e 49 anos são
analfabetos funcionais, e 75% jamais pisou numa biblioteca, o esforço para
popularizar a leitura passa, necessariamente, por políticas públicas. Há quanto
tempo o incentivo à leitura não é abordado num debate entre candidatos a um cargo
executivo? No Legislativo, há frentes parlamentares dedicadas ao tema, mas sua
atuação é discreta. Entre os municípios, a maioria ainda trata a política
cultural como uma política de espetáculos. Gastar milhões para reunir multidões
em shows financiados pela prefeitura pode render manchetes de jornais, mas tem
pouco impacto na formação cultural de cada cidadão. Organizar eventos
literários para incentivar a leitura não é uma solução definitiva, mas já é um
passo na direção certa. Investir na criação e manutenção de bibliotecas com uma
programação cultural constante é ainda menos espetacular, mas pode ser
transformador. Antes de escolher um candidato, descubra o que ele pensa a
respeito disso.
7) Espalhe boas ideias
Transformar bicicletas em bibliotecas itinerantes. Arrecadar
doações de livros no Natal. Distribuir livros gratuitamente em estações do
metrô, ou colocá-los à venda e deixar que o comprador escolha o quanto quer
pagar. Todas essas propostas são criações recentes de leitores apaixonados.
Elas têm potencial para transformar a maneira como os brasileiros se relacionam
com os livros, mas precisam se tornar mais conhecidas. Cabe a cada leitor a
tarefa de ajudar a divulgar essas iniciativas, contribuir para seu sucesso e,
quem sabe, pensar em outras boas ideias para incentivar a leitura. Abrir um
livro no meio de uma multidão e se perder em suas páginas é um exercício
solitário e prazeroso. Mas seria ainda melhor se fizéssemos isso no meio de uma
multidão de leitores.
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